Uma noite agitada. Esse estava sendo o resultado de um dos dias mais tensos da vida de Ricardo. Após a chegada da nave, o restante do dia havia sido um turbilhão de perguntas, relatórios e discussões. O comportamento natural das autoridades que não sabem o que fazer em dada situação é convocar reuniões, na expectativa de que alguém os diga o que deva ser feito. Em cada uma das reuniões realizadas ao longo das últimas 12 horas, Ricardo foi exaustivamente inquirido sobre a situação.
Mesmo após os remédios para dormir, ele rolava de um lado para outro na cama. Mesmo adormecido, murmurava. Sua esposa acordou diversas vezes durante a noite, incomodada com a agitação, mas não fazia idéia do que estava acontecendo no sono de Ricardo.
Ele via a Lua se aproximando, passando de um ponto no céu a uma grande massa cinza que ocupava todo o campo de visão. Na verdade, como veio a perceber, era ele quem estava se aproximando da superfície lunar. Ele se sentia como um fantasma, como se seu corpo não tivesse massa e pudesse viajar livremente pelo espaço.
Ao se aproximar da Lua, despontou no horizonte uma cidade. Uma enorme cidade como ele nunca havia visto. Ela possuía uma arquitetura diferente de tudo que Ricardo conhecia, sem um planejamento aparente, mas extremamente harmoniosa, sem ruas, repleta de torres esguias, que cintilavam contra a escuridão do espaço com uma cor que ele nunca havia sequer imaginado. A cidade era linda.
Enquanto ele se aproximava, fascinado pela que estava vendo, escutou cânticos. Um murmurar baixo, próximo à linha do inaudível, que parecia vir de toda parte da cidade. A língua não era conhecida por ele, não parecia sequer uma língua, mas sim um sibilar cadenciado, quase hipnótico.
Repentinamente, ele sentiu que não estava sozinho. Como se milhares de pessoas tomassem consciência de sua presença ali, Ricardo teve a nítida sensação de estar sendo observado. Mas ele não via ninguém. Apenas sentia os moradores daquele lugar. Em segundos (ou teriam sido horas?), enquanto ainda estava se acostumando com a sensação, ela evoluiu para uma percepção apurada, objetiva, de informações que vagavam pelo ar. Ele via e ouvia fluxos de informações, mas sabia que era mais do que isso. Ver e ouvir não se aplicavam ao que estava acontecendo. Ele simplesmente percebia. Idéias passavam por ele como uma leve brisa, pensamentos faziam zigues zagues coloridos, a cidade era viva de uma forma que Ricardo não conseguia compreender e, posteriormente, nunca conseguiria explicar.
Ainda fascinado pela cidade dos sonhos, um pouco entorpecido pelas novas sensações, ele se aproximou da superfície. Foi quando ele se deu conta que aquilo não era um sonho. Era um pesadelo. As criaturas que vagavam pela cidade incutiram um terror paralisante
Apavorado, ele viu em um deque próximo a nave diplomática que havia sido enviada pelo governo. Na porta da nave, avistou uma das criaturas. Ela estava parada na rampa de desembarque do ônibus espacial, encarando Ricardo. Encarando-o sem olhos, encarando-o sem rosto, mas fixamente direcionando sua atenção ao humano que invadia sua cidade. Após minutos de um desespero enlouquecedor, sem conseguir se mover e sentindo o fixo “olhar” da criatura, Ricardo ouviu em sua mente:
- É isso que poderíamos ter sido. É disso que fomos privados!
E acordou.
Já era manhã, Rita já não estava mais na cama. Ele se sentia mais cansado do que quando fora dormir. O horror do pesadelo retornava à mente à medida que despertava completamente. Ele se pôs de pé de forma brusca, olhando em volta e confirmando que estava em seu quarto. Sentiu-se aliviado. Após um rápido banho, foi para a cozinha, onde estava sua esposa.
- Você parece cansado, querido. Não dormiu bem?
- Tive um pesadelo. Um completamente fora da realidade, mas horrível.
- Ainda está impressionado com o que aconteceu ontem. Por que não liga para o serviço e pede um dia de folga para se recompor?
- Acho que farei isso. Afinal, já fiz tudo que um delegado cívico poderia fazer em um caso como esse. Não quero mais nem pensar naquela nave.
Antes da frase acabar, o visio de Ricardo vibrava em cima do balcão da cozinha. O aparelho brilhava com a cor de uma ligação de prioridade máxima. Ele atendeu e praticamente não falou durante os poucos segundos de ligação. Apenas um eventual “sim, senhor” e “claro, senhor”. Voltou com o aparelho para o balcão e disse, com a voz resignada.
- Era o comissário. Querem que eu faça parte de uma segunda missão à Lua. Uma missão militar.